COMUNIDADE DA ESCOLA S.PEDRO CELEBROU OS 250 ANOS DO NASCIMENTO DE LUDWIG VAN BEETHOVEN PELA MÃO DE RAUL PINTO
De acordo com o pianista Raul Pinto, poderemos dizer que três são as marcas distintivas e geniais de Beethoven, na história da música: i) é a partir do compositor nascido em Bona, em 1770, que a música passa a finalidade em si mesma, deixando de ser concebida (apenas) como instrumento, meio, “ao serviço de” (uma instituição, pessoa, ideia, etc.), neste sentido adquirindo a sua verdadeira carta de alforria enquanto “arte” (em um exemplo gráfico, sobre o tempo que precede Ludwig van Beethoven, o músico com residência artística na Quinta da Regaleira, evoca Bach e “A Paixão Segundo São Mateus”, música considerada/criticada, à época, por “demasiado boa”, quando o que se demandava era que aquela fosse [mera] serva da transmissão da fé); ii) em ensurdecendo com idade muito precoce, e em tal facto como que isolando-o do mundo, Beethoven alcançou, com impressiva pujança, comunicar, dirigindo-se a uma universalidade de ouvintes que tanto podem ser marcados pela tristeza e solidão que perpassam certas sonatas, como aderir ao majestoso edifício que constitui uma 9ª Sinfonia (sempre, e em qualquer caso, em interpretações que se pretendem “quentes”); iii) onde Mozart cria um conjunto de estruturas-padrão sistematizadas, Beethoven vai estudá-las a fundo e como que as desconstrói por completo, criando um novo universo.
Um dos traços maiores identificados, ao longo da sessão com diferentes turmas dos 12º, 11º e 9º anos, na tarde de 16 de Dezembro de 2020, justamente a data em que se celebram 250 anos do nascimento de Beethoven, pelo intérprete de música erudita na formação a solo e música de câmara, e de música de carácter improvisado para espetáculos de dança, imagem e cinema, no “maior dos compositores” foi a sua não complacência, o seu não curvar-se perante qualquer tipo de poderes ou de cânones estabelecidos, rompendo e, de resto, escarnecendo de uma música que considerava menor ou brincadeira, música- entretenimento que, com contundência, recusaria (as valsas de Strauss não entrariam, definitivamente, no panteão de Ludwig).
Uma outra característica sublinhada a traços grossos por Raul Pinto, em Beethoven, foi a da superação de grandes adversidades: frente a uma infância difícil e dura com uma família disfuncional e um severo (e alcoólico) pai; face a ter que sustentar alguns dos irmãos (e um sobrinho); perante a surdez que poderia derrotá-lo enquanto músico, Beethoven, ao contrário de outros compositores de referência, alcança um grande reconhecimento público, sustentando-se (sendo “mecenas de si próprio”) e sendo aclamado até ao dia (inclusive) do seu desaparecimento. Conseguir, através da música e em isolamento, conectar-se com os demais, com os afetos, com as emoções de todos, levá-lo-á a atravessar tempos e intempéries – e a chegar até nós (com inegável intensidade).
Da infância às aulas com Haydn, dos amores por esclarecer, da pouca escolaridade formal do compositor ao seu amor pela Natureza, do encontro com Luísa Todi em Bonn, das várias habitações que percorreu ao longo da vida e dos seus contactos com poetas e filósofos do seu tempo, do feitio difícil que o levava a ter poucos amigos e a não conseguir conservar empregados em sua casa, do seu aspeto físico pouco cuidado (e a casa como esse espelho), de um funeral que encheu Viena se fez charla sobre a vida de um dos maiores génios da história do espírito humano na comunidade de S. Pedro. E fez-se de um modo muito especial: com o piano ao largo, com a explicação tocada (uma segunda vez), sentida, apaixonada, e os ouvintes, luxuoso privilégio, a poderem sentir e seguir esse encontro, qual miniconcerto – com o homem que abraçou a Revolução Francesa nos seus ideais, ainda que não no terror de Bonaparte - e onde não faltou, sequer, a audição de andamentos da “Patética” (d’Os Maias).
Porque a escola deriva, também, de scholê, tempo livre – para pensar e governar -, crê-se que o deleite sério dos ouvintes deu impulso à imagem gravada no zoom: vários finalistas – a meses de se tornarem universitários - a tributarem Beethoven, por Raul Pinto, com uma jubilosa salva de palmas.
Pedro Miranda
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