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Conferência “Desafios ético-jurídicos do uso de aplicações informáticas em tempos de covid-19”





Para Diogo Farinha, jurista e mestrando em Filosofia Política na Universidade do Minho, o problema atinente ao uso de aplicações informáticas em situações excepcionais como a do tempo covid, remete-nos, de imediato, para uma “distinção clássica, entre a esfera pública e a esfera privada”, que urge recuperar. A exposição permanente de todos os dados pessoais, o (potencial) acesso do Estado, em se pensando em uma aplicação, de carácter obrigatório, com esse registo, para uso nos telemóveis, como que eliminaria a já de si actualmente muito débil esfera íntima (que hoje está também ligada aos gadgets que trazemos acoplados a cada instante). Uma agência central poderia conhecer “os lugares que frequentamos, as pessoas com quem nos relacionamos”, o acervo do nosso mundo mais particular. Poderíamos estar na iminência de um estad(i)o “panóptico” (termo para designar uma prisão ideal, tal como concebida por Jeremy Bentham, na qual um único vigilante consegue observar todos os prisioneiros) com cada indivíduo a ser observado, e a sentir-se observado, condicionando-se, dessa forma, a sua liberdade de pensamento e acção. O sonho de todos os totalitarismos, considera o conferencista, é impor o isolamento aos seus súbditos: é que o isolamento – diversamente da solidão, que concorre, voluntariamente, para “a construção do nosso espaço interior, a fermentação da nossa dimensão contemplativa, a criação das nossas dúvidas”, para uma presença actuante na res publica – impede o empoderamento e agir colectivos. O que teríamos, em estas circunstâncias, seriam “indivíduos ligados entre si, mas sem relação entre eles”.

Ademais, e face à concreta aplicação Stay way Covid, pergunta-se o orador sobre o problema da igualdade, na medida em que um estudo, a que aludiu, mostrava (apenas) 50% dos portugueses como possuidores de literacia digital, a que acresce o facto de nem todos serem possuidores de telemóveis com capacidade bastante para acomodação de uma aplicação desta natureza, não podendo o estado distinguir em função do rendimento de cada um.

Quando questionados sobre se aceitariam a obrigatoriedade de instalação de uma aplicação para telemóvel, com vista ao rastreamento da covid-19, os jovens até hoje escutados por Adriana Macedo, advogada, especialista em Direito Administrativo e a fazer mestrado em Filosofia Política na Universidade do Minho, responderam, invariavelmente, de uma de três formas: “não tenho nada a esconder…”, “já renunciamos a tudo quando aderimos a redes sociais…”, “até acho bem”, assim não questionando ou descortinando os aspectos fortemente problemáticos associados à stay away covid. Neste contexto, a profissional do Direito, entende como pedagógico, desde logo, o conhecimento de dispositivos legais que conformam e recobrem o nosso (mais próximo) quotidiano. Assim, explicou a configuração constitucional do “estado de emergência”, a formulação do Decreto-Lei nº52/2020, de 11 de Agosto, cujo objecto era a aplicação Stay Away Covid – detalhando o significado do carácter voluntário então assacado à mesma -, a proposta de lei nº62/XIV – que, diversamente do Decreto-Lei vindo de assinalar, previa e prescrevia, já, obrigatoriedade, imposição, fiscalização/vigilância, sanção (para quem incumprisse a obrigação cominada). Simultaneamente à exposição, no âmbito legal e da proposta legislativa, a oradora passava imagens, que considerou “chocantes”, de polícias chineses a reclamarem, dos seus concidadãos, os respectivos telemóveis, com vista à verificação do uso das aplicações impostas pelo estado (autoritário).

De acordo com a administrativista, o que há a sublinhar das recomendações da Comissão Nacional de Protecção de Dados, neste domínio, é a remissão para o carácter voluntário da instalação da covid-19 e para o objectivo de “não controlar”, ínsito nessa medida. O cuidado com os dados pessoais de cada cidadão, afigura-se como algo fundamental (sejam estes o número de telemóvel, o endereço eletrónico, ou os elementos clínicos do mesmo). Na apresentação realizada, passámos, pois, pelo Regulamento Geral de Protecção de Dados para conhecer a definição legal de “dados pessoais” e, bem assim, fez-se notar que a protecção destes é um “direito fundamental”, que, aliás, se encontra, também, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O direito à identidade pessoal, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar encontra-se previsto na nossa Lei Fundamental (nº26, CRP). Os cidadãos portugueses têm direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam (nº35, CRP).

As questões principais que se colocam quanto aos dados pessoais – pensemos, por exemplo, em um currículo vitae enviado para uma empresa, em um concurso para um emprego: temos direito à confidencialidade sobre esses dados e a tê-los de volta – são: de quem são (?), quem cede (?), a quem (?), para quê/com que finalidade (?), quem guarda (?), em que condições (?), por quanto tempo (?). E, em última instância, a salvaguarda: “quero-os de volta!”.

Assim, Diogo Farinha e Adriana Macedo, em conferência-debate, com mais de 70 alunos – e respectivos professores -, na manhã da Escola Secundária de S. Pedro, à guisa de um tema candente da nossa actualidade e do porvir, e do contributo para uma cidadania que se pretende reforçada. Também com bons argumentos e respaldo ético-jurídico.

Pedro Miranda

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