Mais uma reflexão do Pedro Miranda.
Um
conjunto de politólogos viu surgir, nos últimos anos, a Epistocracia como o regime que, de algum modo, foi rivalizando, ou
pode vir a rivalizar com a Democracia,
em termos de atractividade para o eleitorado (note-se que 67% dos portugueses
aprovam, nos mais recentes inquéritos, divulgados por Conceição Pequito, em A qualidade da democracia em Portugal,
FFMS, 2018, um governo de especialistas/técnicos). Termo cunhado por Estlund, espistocracia significa o
governo dos sábios. Ou, mais propriamente, "um regime político é
epistocrático na medida em que o poder político é formalmente distribuído de
acordo com a competência, a capacidade e a boa-fé para agir com base nessa
capacidade" (na definição do filósofo político Jason Brennan, em
Contra a democracia, publicado pela Gradiva, em 2017).
Se os estudiosos discutem se, na República, Platão estava a falar a sério quanto à ideia de um rei-filósofo para governar a cidade, Jason
Brennan, por seu turno, garante que a epistocracia não
está dependente de um rei-filósofo ou
de uma classe protectora. Há várias
outras formas possíveis de epistocracia,
a saber:
a) Sufrágio
restrito: os cidadãos podem obter o direito legal a votar e a
concorrer a eleições apenas se forem considerados (por algum tipo de processo)
competentes e/ou suficientemente bem informados. Este sistema envolve um
governo representativo e instituições similares às das democracias modernas,
mas não confere o poder de voto a todas as pessoas. Em todo o caso, o direito
de voto está muito difundido, ainda que não tanto como numa democracia;
b) Voto
plural: tal como numa democracia, cada cidadão tem um voto. No
entanto, alguns cidadãos, aqueles que são considerados (por meio de
algum processo legal) mais competentes ou bem informados, têm votos adicionais.
Por exemplo, Mill defendeu um regime de voto
plural. Como referido anteriormente, pensava que o envolvimento das pessoas
na política tendia a enobrecê-las. Contudo, preocupava-o que demasiados
cidadãos fossem incompetentes ou insuficientemente cultos para fazerem escolhas
inteligentes nas urnas. Defendia, portanto, que se concedessem mais votos às
pessoas com mais habilitações académicas;
c) Credenciamento
aleatório: os ciclos eleitorais ocorrem como normalmente, excepto que,
por norma, nenhum cidadão tem direito a
votar. Imediatamente antes da eleição, milhares de cidadãos são
seleccionados aleatoriamente para se tornarem pré-votantes. Estes pré-votantes
obtêm o direito de votar, mas apenas se participarem em determinados exercícios
de desenvolvimento de competências, como fóruns de deliberação, com os seus
concidadãos;
d) Veto
epistocrático: todas as leis devem ser submetidas a procedimentos
democráticos por meio de um órgão democrático. Porém, um órgão epistocrático
com um conjunto restrito de membros tem o direito de vetar as leis aprovadas no
órgão democrático;
e) Votação
ponderada/governo por oráculo simulado: todos os cidadãos podem
votar, mas, ao mesmo tempo, devem preencher um questionário relativo a
conhecimentos políticos básicos. Os seus votos são ponderados com
base no conhecimento político objectivo, talvez ao mesmo tempo que se
examina estatisticamente a influência racial, do nível de rendimento, do sexo
e/ou de outros factores demográficos.
Olho para estas
experiências como "puramente intelectuais", académicas. No seu
"excesso", elas, contudo, iluminam fragilidades de muitas das nossas
democracias - o fraco empoderamento democrático de muitos dos
nossos cidadãos, que não estão "bem informados", nem nunca
"desenvolveram competências, como fóruns de deliberação, com os seus
concidadãos", nem demonstram nenhum "conhecimento político
objectivo" -, muito palpáveis no nosso quotidiano, e poderão permitir, com
alguma caricatura, apontar para lugares - em particular, o momento da escola e
da educação - fundamentais para que esse robustecimento democrático ocorra.
Neste sentido, não vejo sequer que este conjunto de boas provocações estejam
muito longe da reivindicação de cadeiras de "ciência política",
digamos assim (em sentido lato), no ensino obrigatório que fizeram parte do
caderno de encargos de movimentos, não conservadores,
mas radicais. Iniciativas como o Parlamento dos Jovens, entre muitas
outras como orçamentos participativos,
etc, estão a ir nesse sentido. Há a disciplina de "Filosofia
Política", no Secundário, como opcional, em algumas escolas. Mas, desde
logo, tal cadeira é opcional (e, portanto, não universal).
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