A reflexão de Pedro Miranda sobre as eleições europeias, escrita em 2014. Mantém-se atual...
1.As
recentes eleições europeias constituíram um momento fulcral,
verdadeiramente determinante para avaliação e decisão acerca do nosso
futuro colectivo. Para quem quer ver, o diagnóstico é absolutamente
claro: a participação de Portugal na zona Euro, na medida em que significou o abandono da nossa soberania monetária e cambial, e sem que a arquitectura institucional da União Europeia consagrasse elementos como a a) união de transferências; b) harmonização fiscal entre os países dela integrantes; c) capacidade de um (hipotético) Estado Federal prosseguir políticas contra-cíclicas em momentos de recessão (nos estados federados); d) banco central com preocupações não apenas ao nível da inflação, mas da criação de emprego, crescimento económico e prevenção de crises (funções que, por exemplo, a Reserva Federal norte-americana tem), e) união bancária; f) algum modo de – pelo menos, parcial -mutualização da dívida gerou constrangimentos muito fortes na nossa economia que, com o actual status quo, se torna impossível de ultrapassar.
2.Perante
esta constatação, dois caminhos-limite se nos colocam: i) voltar para
trás e regressar às moedas nacionais (entre nós, no fundo, a tese de
João Ferreira do Amaral); ou ii) dar um salto federal, mais parcimonioso
ou mais rápido, mas que implique, sempre, a construção de elementos
institucionais/arquitectónicos como os acima mencionados (em Portugal, a
tese de Viriato Soromenho-Marques).
3.Existindo
forças políticas que sustentavam e acomodavam estas diferentes
posições, nas mais recentes eleições a que fomos chamados, era
especialmente sobre isto que deveríamos ter estado a discutir nos
últimos meses (fosse essa discussão centrada num debate
constitucional/constituinte europeu, fosse centrado nas políticas
concretas mas que colidissem com essas escolhas de natureza estrutural),
para que a opção por um dos caminhos vindos de enunciar fosse
clara/consciente. Seja como for, o voto massivo de protesto, a vitória
de nacionalismos múltiplos, tornou, de per se, já hoje, mais difícil a segunda das opções, isto é, de algum modo o caminho para um modelo de tipo federal.
4.E,
no entanto, parecia-me, claramente, que esse seria o caminho
preferível. Revejo-me, aliás, por completo, na formulação de Viriato
Soromenho-Marques: “Não estou confiante de que o país, no final, não
tenha de regressar a um sistema monetário próprio, mas os custos desse
regresso serão tão dolorosos, a todos os níveis, que essa não deve ser a
opção estratégica, mas a opção de recurso. O que J.F. Amaral estima ser
um objectivo prioritário, considero eu como cenário derradeiro que só
deve ser ponderado depois de termos tentado (e falhado) influenciar, com
veemência argumentativa e uma rede sólida de alianças, uma verdadeira
viragem federal na União Europeia” (Portugal na queda da Europa,
pp.92-93). Estamos a meio da ponte. Na Inglaterra do séc.XIX,
demorou-se quase 100 anos a resolver um problema de dívida de 200% do
PIB para 30% do Produto. Nos termos das democracias contemporâneas, tal
qual as conhecemos, julga-se muito difícil que as pessoas/cidadãos
aceitem/sufraguem uma opção desta natureza (releiam-se os roteiros de
Cavaco e as décadas que imagina para que a nossa dívida seja paga). Uma
austeridade para um século. Daí que dentro de uma legislatura, seja
improvável que não tenhamos saído do mesmo sítio. A questão, claro, é
saber para onde vamos.
5.A
dúvida maior – alguns diriam, um foco de esperança - parece residir em
como se solucionará o seguinte enigma: como conciliará a Alemanha a
pretensão de manter o euro– uma espécie de marco à escala
europeia que favorece o tipo de paradigma económico em que se sustentam
os germânicos e, por isso, apoiado pela sua elite política e
empresarial, como assinala Félix Ribeiro – e, simultaneamente, não dar
passos para uma Europa de tipo federal, quer dizer, como manter, sem
nada dar em troca, por exemplo no espaço de uma legislatura, tudo como
até aqui, se alguns dos povos, face a ilimitados sacrifícios, tenderem a
rejeitar a moeda única? Teremos “uma Europa, dois euros”?
6.No seu Portugal na queda da Europa, Viriato Soromenho-Marques recupera a visão do filósofo Thomas Hobbes sobre o que seria o estado natureza dos indivíduos (a quando da inexistência de uma autoridade central forte, o Estado): a guerra de todos contra todos.
Analogicamente, aplica a teoria aos Estados: sem que estejam sob uma
comum partilha e autoridade (federalismo) e caindo no isolamento
nacional, a guerra de todos contra todos tornar-se-á uma possibilidade, uma probabilidade nada negligenciável.
7. Sopesando esta advertência, atentando na radiografia e balanço à nossa participação na zona euro,
e com os resultados eleitorais conhecidos percebe-se, em definitivo,
que chegou um dos tais momentos de verdade que os povos atravessam. Pena
que por ser mais fácil falar em primárias de legislativas do que
explicar as competências do BCE e seu significado; pena que por ser
mais complexo conversarmos sobre a harmonização fiscal na Europa e sua
repercussão para a existência – ou inexistência – de Estados Sociais
(robustos) do que embarcar em protestos fulanizados em personagens sem o
menor pensamento europeu estruturado, atravessemos esse momento tão
desinspirados, tão desinformados, tão desconhecedores.
Pedro Miranda

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