Prémio Nobel da Literatura no ano que agora termina, Annie Ernaux em os Anos sobrevoa um tempo e um lugar que, sendo o dela, filha da classe operária na Normandia, nascida a seguir à II Guerra, é também o tempo e as memórias de muitas de nós que recordamos através deste livro, acontecimentos, nomes, referências artísticas, literárias e políticas que, ao atravessarem toda a segunda metade do século XX, são também nossas.
A leitura de fotografias, dos tempos e lugares que descreve é o que conduz a narrativa. Através delas vai dando voz às suas angústias e alegrias, às suas conquistas, mas também a todo um tempo social e político com marcação exata do lugar que nele ocupa. Construída como uma memória sócio biográfica, é do Regresso a Reims de Didier Eribon que nos lembramos, com o mesmo sentimento de fuga à classe, embora, na nossa perspetiva, não seja, nesta autora, tão veemente e perturbador.
Sendo agradável de ler, pelas memórias que evoca, fica, sobretudo, a sensação de leveza e fluidez. Todas os grandes acontecimentos e catástrofes da segunda metade do século XX e primeiras décadas do século XXI são descritos a partir de um lugar em que não deixam marcas muito definitivas. Os almoços de domingo em família sucedem-se durante décadas com a mesma placidez e harmonia, mudam alguns protagonistas, mudam os temas de conversa, as ementas acompanham a evolução do nível de vida da burguesia francesa, mas a realidade permanece sem espessura, entrevista a partir da televisão e dos meios de comunicação, como se fosse um outro mundo.
Disponível na biblioteca.
Teresa Morais
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