Não
esquecer os últimos – a propósito da Economia
dos Pobres, dos Nobel 2019 da Economia, Abhijit V. Banerjee e Esther
Duflo
Apesar
da ilusão de que com a globalização nos passámos a conhecer todos muito bem, –
todos, de todos os continentes e lugares -, a verdade é que não apenas a rede não chega a demasiados locais do
planeta, como, ademais, mesmo os que nos julgamos privilegiados no acesso à
informação e ao conhecimento, nos países mais desenvolvidos, revelamos, não
raro, uma grande ignorância do que se passa, dos costumes e usos prevalecentes,
em vários pontos da Terra. Se pensarmos numa questão, como a da pobreza, muito
presente, em definitivo, nas nossas sociedades e estudarmos o que sucede, a
este propósito, em paragens de matriz cultural diversa da nossa, (também) aí,
estou em crer, não deixaremos de ficar surpreendidos. Neste sentido, a partir
da obra de Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo, A economia dos pobres, queria, aqui, destacar dois casos que julgo
bastante ilustrativos, no contexto do que pode ser o nosso desconhecimento de
outras realidades, de outras causas e motivações, para problemas de que
padecemos. Pensemos, pois, na pobreza fora dos cânones ocidentais.
Concentremo-nos
em uma aldeia indiana, Naganadgi, na província de Karnataka e tentemos perceber
o modo como muitos pais (rurais) veem a educação dos seus filhos. Aceitemos que
entendem, sobretudo, a educação, como um modo de os seus educandos adquirirem
uma considerável riqueza. Mas avancemos um pouco. Constatemos que, para muitos
pais, a correlação entre um salário e a escolaridade se faz de forma drástica,
pelo que os ganhos que prevêem para uma formação com o nível de ensino
Secundário, p.ex., é sobrevalorizada, e aqueles obtidos com uma formação com o
ensino primário e básico subvalorizados, face ao que as estatísticas mostram
ser a real compensação, ao nível dos rendimentos auferidos, por quem possui
tais (diferentes) habilitações. Registemos que em Madagáscar, ou em Marrocos,
pais pensam de forma semelhante a estes pais de uma aldeia indiana. Ora, com
tais ideias pré-concebidas, “uma crença na forma em S”, o que sucede é que para muitos progenitores “faz sentido
colocar todos os ovos educativos no cesto do filho que acharem ser mais
promissor, certificando-se de que recebe a educação suficiente, em vez de
espalhar o investimento de igual modo por todos os filhos”.
Portanto,
primeira ideia aqui a sublinhar, quanto ao que sucede ao nível educativo, e que
funciona como “ratoeira da pobreza”, em
vários pontos do globo, não ocidental: os pais, em muitos locais, tendem, desde
tenra idade, a selecionar o filho – que, por diferentes causas/experiências,
consideram “inteligente” – para ir à escola e ter uma formação extensa de modo
a compensar (em ganho acrescido, o que se perde, nomeadamente, pelo não
desempenho de um dado trabalho, de modo mais precoce).
Segunda
ideia: sociedade com castas (atentem na importância de uma mundividência). Nomes de pessoas que incluem o nome da(s) casta(s).
Num estudo, propõe-se a um conjunto de
professores que avaliem exames em que certos testes surgem com o nome do aluno – e respectiva casta – e outros em que há
anonimato quanto ao aluno em causa. Resultado: verificou-se “que, em média, os
professores davam notas significativamente mais baixas aos alunos das castas
mais baixas, quando conseguiam saber a sua casta do que quando não sabiam. Os professores
das castas mais baixas tinham na realidade maior probabilidade de dar piores
notas aos alunos das castas mais baixas. Deviam estar convencidos de que estas
crianças não podiam ser bons alunos”. Juntando estas duas ideias,
compreenderemos que “a combinação das
elevadas expectativas e da pouca fé pode ser bastante letal. Como vimos, a
crença na curva em S leva as pessoas a desistir. Se os professores e os pais
não acreditarem que a criança consegue atravessar o alto e chegar à parte
íngreme da curva em S, poderão nem sequer tentar: o professor ignora as
crianças que ficaram para trás e os pais deixam de ter interesse na sua
educação. Mas este comportamento cria uma armadilha de pobreza, mesmo onde ela
antes não existia”.
Ensinaram-nos
os clássicos que há mais coisas entre o
Céu e Terra do que a nossa vã sabedoria pensa. Não é a globalização, como
com ingenuidade poderíamos supor, que abole esta máxima. E também não pode ser uma nossa situação precária a
levar-nos à ignorância e esquecimento dos que continuam preteridos, no mais
absoluto obscurecimento, por esse mundo fora.
Pedro
Miranda
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