Mulheres filósofas.
Com a colaboração do nosso colega Pedro Miranda, iniciámos um conjunto de posts sobre Mulheres Filósofas contemporâneas.
Com a colaboração do nosso colega Pedro Miranda, iniciámos um conjunto de posts sobre Mulheres Filósofas contemporâneas.
Em
defesa das Humanidades
Not for profit. Why democracy needs the humanities?, de Martha C.
Nussbaum.
A
democracia precisa das humanidades
porque nos relatos, nas narrativas que os romances, os contos, toda a
literatura e, bem assim, o ensaio filosófico proporcionam, encontramos, não
raramente, o ponto de vista do outro,
levando-nos, de tal sorte, a poder internalizá-lo
e a tê-lo devidamente em conta, sem o pretender eliminar, na nossa conduta e
deliberação cidadã. A literatura e a filosofia são, assim, verdadeiros
sustentáculos da coesão social e da democracia (“as artes e as humanidades desempenham uma função central na história da
democracia, mas mesmo assim, muitos pais, na actualidade, têm vergonha de que
os seus filhos estudem arte ou literatura. Ainda que a filosofia e a literatura
tenham mudado o mundo, é muito mais provável que um pai ou uma mãe se preocupem
porque os seus filhos nada sabem de negócios do que por terem uma insuficiente
formação em matéria de humanidades”).
A
democracia precisa das humanidades,
desde logo carece da maiêutica socrática por sistema desde os primeiros passos
na escola, porque serão estas que fornecerão músculo, pensamento crítico face a
toda a autoridade (indiscutida), ou a todo o condicionamento grupal face ao
qual, em muitos casos, qualquer dissensão é punida.
A
democracia precisa das humanidades
porque a vida é vida examinada, vida com sentido e o aparato de tipo
filosófico/teológico/literário é, aqui, absolutamente insubstituível.
A
democracia precisa das humanidades
porque, através delas, a imaginação – e se quisermos, em especial a imaginação moral - não enfraquecerá e,
por consequência, impedirá que haja homens e mulheres invisíveis numa sociedade (os que não têm voz, minorias, etc.): “se o verdadeiro choque de civilizações
reside, como penso, na alma de cada indivíduo, onde a cobiça e o narcisismo
combatem com o respeito e o amor, todas as sociedades modernas estão a perder a
batalha a ritmo acelerado, pois estão a alimentar as forças que dão impulso à
violência e à desumanização, em lugar de alimentar as forças que dão impulso à
cultura da igualdade e do respeito. Se não insistimos na importância
fundamental das artes e das humanidades, estas desaparecerão, porque não servem
para ganhar dinheiro. Só servem para algo muito mais valioso: para formar um
mundo no qual valha a pena viver, com pessoas capazes de ver os outros seres
humanos como entidades em si mesmas, merecedoras de respeito e empatia, que têm
os seus próprios pensamentos e sentimentos, e também com nações capazes de
superar o medo e a desconfiança em prol de um debate guiado pela razão e pela
compaixão” (p.189).
A
democracia precisa das humanidades
porque em sociedades cada vez mais complexas e plurais conhecer a história do outro, as principais convicções da sua mundividência, a sua cultura, a sua
religião/tradição, a sua língua é essencial para sociedades pacificadas (“estão a produzir-se mudanças drásticas
naquilo que as sociedades democráticas ensinam aos seus jovens, mas trata-se de
mudanças que ainda não se submeteram a uma análise profunda. Sedentos de
dinheiro, os estados nacionais e os seus sistemas de educação estão a descartar
certas aptidões que são necessárias para manter viva a democracia. Se esta
tendência se prolonga, as nações de todo o mundo em breve produzirão gerações
inteiras de máquinas utilitárias, em lugar de cidadãos plenos com capacidade de
pensar por si próprios, possuir um olhar crítico sobre as tradições e
compreender a importância dos sucessos e sofrimentos alheios. O futuro da
democracia à escala mundial está preso por um fio”, p.20)
A
democracia precisa das humanidades
porque o humano não é assim tão bonzinho
e precisa de instituições/disciplina(s) capazes de o poderem motivar/contrariar
e enquadrar num quadro de respeito pelo outro, sempre fim, nunca meio (“parece que esquecemos o que significa
acercarmo-nos do outro como a uma alma, mais que como um instrumento utilitário
ou um obstáculo para os nossos próprios planos. Parece que esquecemos o que
significa conversar com alguém dotado de uma alma, com outra pessoa que
consideramos igualmente profunda e sofisticada (…) o que me proponho destacar é
o que significa essa palavra [alma] para Alcott e Tagore: refiro-me às
faculdades do pensamento e da imaginação, que nos fazem humanos e que fundam as
nossas relações como relações humanas complexas em lugar de meros vínculos de
manipulação e utilização. Quando nos encontramos numa sociedade, se não
aprendemos a conceber a nossa pessoa e a dos outros desse modo, imaginando
mutuamente as faculdades internas do pensamento e a emoção, a democracia estará
destinada ao fracasso, pois esta baseia-se no respeito e interesse pelo outro, que
por sua vez se fundam na capacidade de ver os demais como seres humanos, não
como meros objectos”, pp.24-25)
Martha
C. Nussbaum assina, assim, um manifesto intenso contra o desinvestimento que a
mentalidade que vai prevalecendo por estes dias estabelece relativamente às humanidades, face ao inútil ou não (imediatamente) rentável. Fá-lo,
em todo o caso, a partir, em grande medida, da experiência norte-americana,
onde o ensino das artes liberais,
ainda assim, resiste, via filantropismo, à perda estatal, país no qual a tradição das humanidades presentes em grande medida no Secundário e Ensino
Superior é uma realidade (isto é, onde a não especialização imediata, onde as
disciplinas humanísticas sempre estão,
mesmo em cursos de ciências duras, e
onde as empresas buscam a abertura mental, a capacidade criativa, a
flexibilidade e imaginação de quem vem das humanidades,
onde em muitos cursos, no Superior, há turmas muito pequenas para que
sucessivos trabalhos sejam corrigidos/apurados, muita discussão em sala de aula).
Sendo
este o seu ponto de partida, também a experiência indiana (Tagore) é muito
referenciada, face ao que o teatro, a dança, a literatura podem fazer para a
compreensão entre as pessoas. Com vários dados sobre recentes experiências da
psicologia, Nussbaum foge de qualquer idealização, encontra o humano tal como
é, e é justamente por isso que lhe importa não negligenciar as artes liberais. Valoriza muito as
histórias infantis, os desenhos animados que se dão a ver às crianças, não se
ficando na elaboração abstracta, buscando o currículo e a escola que devemos
prosseguir.
Autora
que tem escritos numa linha rawlsiana, e com estudos feitos sobre as capacidades, com Amartya Sen, Nussbaum
enfatiza, ainda, a importância da responsabilidade individual numa educação
conseguida.
Pedro
Miranda
[seguimos
aqui a edição castelhana Martha C.
Nussbaum, Sin fines de lucro – por
qué la democracia necessita de las humanidades, Katz, 2010].
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